Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Reflexos

MENU

Sobre a Verdade

MC 31 Oct 11

VERDADE

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

 Carlos Drumond de Andrade (Brasil, 1902-1987)

 

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.
Clarice Lispector (1920 - 1977), escritora brasileira de origem judia nascida na Ucrânia.

 

 

 

A PEDRA

MC 14 Sep 11

O distraído, nela tropeçou,
o bruto a usou como projétil,
o empreendedor, usando-a construiu.
o campônio, cansado da lida,

dela fez assento.

Para meninos, foi brinquedo,

Drummond a poetizou,

 

Já Davi matou Golias...

Por fim;

o artista concebeu a mais bela escultura.

 

 

 

Praça dos Restauradores, Lisboa (Foto de Wikipédia

E em todos esses casos,

a diferença não esteve na pedra.

Mas no Homem.

Antonio Pereira (in Apon. Poema publicado em 1999 no livro Essência)

* * *
E agora, a poetização de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), na revista Antropofagia, em 1928. Vejam como a pedra pode ser um escolho (quase) inultrapassável no meio de um caminho...

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(in Cultura Brasileira)

* * *
A pedra é um elemento muito presente nas expressões da língua portuguesa, não só na poesia. Diz-se, por exemplo, de quem impressiona, que "faz chorar as pedras da calçada". Isto porque, antigamente, "era nas pedras da calçada que os cantores exerciam o seu ofício. Essas canções eram, normalmente, dolentes e tristes". (in Centro de Exames da Fundação Rei Afonso Henriques, em 14.09.11)
* * *

 

Uma leitora atenta recordou-me "as pedras" de Fernando Pessoa, que afinal constam do primeiro poema publicado neste espaço. Vão lá ver!

 

Maria Catela

foto do autor

"A memória é a consciência inserida no tempo." Fernando Pessoa

Mais comentados

Feedback

  • Claudemir

    Olá ProfessoraGostaria de enviar-te um e-mail com ...

  • João Sá

    Bom dia :)O blog está em destaque na homepage dos ...

  • M.E.C.

    Olá! Que bom - toda a divulgação é uma ajudinha......