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Reflexos

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Na sequência do texto anterior As Culturas nas Escolas – Introdução e antes de descrever e apresentar o estudo anunciado, discutem-se aqui as variáveis que serviram de indicadores à medição das culturas na escola.

A nacionalidade e o país de nascimento são as variáveis mais simples e imediatas que apontam para a cultura subjacente dos indivíduos. A nacionalidade do aluno é o indicador usual registado pela escola. O país de nascimento, que nem sempre coincide com a anterior, põe em evidência os antecedentes dos alunos, revelando assim a presença de outras origens que não a portuguesa. Contribui para este quadro o país de nascimento dos progenitores, que revela adicionalmente os casos em que os alunos, apesar de serem portugueses, possam estar expostos a – e, portanto, adquirir – outras culturas.

Sendo assim, faz-se distinção entre nacionalidade e país de nascimento. A nacionalidade é uma formalidade legal que, por isso, pode ser adquirida posteriormente ao nascimento. Isto significa que uma pessoa pode nascer num país (adquirindo a respectiva nacionalidade), onde necessariamente ficará exposto à cultura local durante a sua formação, e obter, posteriormente, outra nacionalidade. Neste caso, a cultura correspondente à segunda nacionalidade adquirida pode ter uma influência variável no seu comportamento, o que depende de variados factores, os mais óbvios (1) o tempo de permanência no seio da “nova” sociedade e (2) o grau de convívio e participação da pessoa com os membros da “nova” cultura.

Da mesma maneira, um aluno que possua os progenitores nascidos num país diferente encontra-se profundamente marcado pela cultura desse país, que é a prevalecente nas relações familiares, antes (e simultaneamente) de ser exposto e se integrar na cultura do país onde reside, neste caso, Portugal. Por esta razão, conhecer o país de nascimento, tanto do aluno como dos seus pais, é fundamental para saber que culturas se encontram em presença na Escola e, por isso, influenciam o seu ambiente, as suas relações humanas e os seus resultados.

Os próximos textos relatarão a recolha de dados e os respectivos resultados.

Uma partilha caboverdiano-brasileira da primeira música da Cesária gravada em disco, inserido no espectáculo Atlântico, em Portugal.

A arte e a criatividade emocionam-me sempre...

 

Cesári
a
Cesária decidiu agora terminar a sua carreira nos palcos.

Entre gerações existe sempre um choque, que o grupo dos da geração mais velha tem dificuldade em aceitar. “No meu tempo, os jovens faziam assim…” Se tal é verdade entre pais e filhos, torna-se quiçá mais premente entre professores e alunos. E parece que se trata de uma batalha, uns de um lado, os outros do outro, como inimigos.

Na verdade, a origem de tais diferenças está na evolução das sociedades – de facto, não se vive hoje como há 20 anos, que é o período de se formar uma nova geração. A tecnologia modificou a maneira de viver; com ela os valores e, até, os direitos e deveres dos cidadãos mudaram. Há décadas da história dos povos em que essas diferenças são mais marcantes, sobretudo quando acompanhadas por modificações políticas, como foi, entre tantas outras, a implantação da República, o sufrágio universal a incluir as mulheres, a vulgarização da televisão e do computador. Se pensarem bem, ainda se lembram, da vivência ou dos livros e filmes, de como era a vida familiar e social no tempo dos reis, mas, mais próximo de nós, de como era a situação da mulher antes de esta ter conquistado direitos iguais ao do homem ou, mesmo, de como era um serão quando ainda não havia televisão ou de como era trabalhar sem acesso ao computador. Quase impensável, não é?

Alterações tão drásticas na maneira de viver não poderiam senão provocar grandes modificações no pensamento colectivo, com a consequente mudança de interesses da camada jovem, esta precisamente contemporânea dessas alterações.

Ludwig van Beethoven, compositor alemão da viragem do Séc. XVIII (Bona, 1770 - Viena, 1827)

(Foto do Google)

Surgiu há dias uma notícia sobre a “ignorância” dos jovens de hoje nos Estados Unidos da América, evidenciada através de um estudo de dois professores.

Dizem eles que os “estudantes americanos acham que Beethoven é um cachorro” – porque houve um filme americano em que tal acontecia, tendo os jovens “perdido” a referência de que Beethoven é um grande compositor.

É evidente que, se tal acontece, é porque a escola (e a família) não estão a prestar a devida atenção à história e à cultura – porque música é cultura! Ou seja, hoje em dia as preocupações, os interesses da nova geração são o “hoje” e não o que passou. Aliás, os filmes americanos, com a sua superficialidade e ritmo alucinante, são os primeiros a induzir os seus espectadores a viver com intensidade o momento presente, parecendo que não houve ontem nem haverá amanhã – o passado não interessa e não se sabe o que nos trará o futuro, o melhor é não contar com ele!

Os Estados Unidos da América são um país novo, de tal modo que consideram qualquer coisa com duzentos anos (a sua idade) de grande antiguidade! E talvez por isso, por ser um país novo, precisou de se impor no presente. A verdade é que a história que é estudada na escola é centrada no próprio país e os adultos de hoje e mesmo de gerações anteriores são perfeitamente ignorantes da História do resto do mundo – a não ser que tenha que ver com a História da América ou a sua política actual de intervenção mundial. Constatei isto pessoalmente no período em que residi nos Estados Unidos da América e as perguntas que pessoas, que, pela sua função, no meu país teriam a obrigação de ter uma alargada cultura geral, me dirigiram sobre o meu país, Portugal, deixaram-me, nos meus vinte e tal aninhos, completamente perplexa. Que Portugal era uma província espanhola, que espanto era falar-se lá português, que então deviam ter sido os brasileiros a povoar e “descobrir” Portugal e assim por diante. Perguntava-me eu, então, que tipo de História universal seria dada nas escolas…

Por isso, não me surpreendem os resultados do estudo que agora vieram a lume. O que me surpreende é que os americanos, eles próprios, se admirem!

Os americanos, porém, não estão sozinhos, pois a evolução das sociedades, como se disse atrás, tem sido retirar à História o lugar importante que tinha nos programas escolares. De tal maneira que, nos sistemas de ensino actuais, nem todas as vias de estudo têm História, logo a partir de anos de escolaridade ainda baixos. E minimizar o ensino das artes, nomeadamente da música, que saiu completamente dos curricula. É, por isso, fácil concluir que os jovens, frutos de tal ensino, não terão nunca uma alargada cultura geral: não saberão a História de outros povos e do seu planeta nem apreciarão uma bela sinfonia de Beethoven!

 

 É hoje em dia evidente que o ambiente cultural das escolas se modificou com o incremento verificado nas últimas décadas no movimento migratório em Portugal. É assim que existem hoje neste país escolas com uma notória fatia de alunos com origens culturais e étnicas diferentes, às vezes com vincadas dificuldades de integração, que têm mesmo originado intervenções específicas por parte do Ministério da Educação ou da própria escola, com projectos de integração dos alunos na demais massa estudantil e na cultura portuguesa prevalecente na escola (ver ENTRECULTURAS – Educação Inter-cultural).1

 De um modo geral, as escolas não apresentam situações-limite de desadaptação dos alunos devida a choque cultural, parecendo aqueles já se encontrarem mais ou menos familiarizados com a cultura portuguesa e o seu regime escolar. Esta aparente homogeneidade pode, contudo, tornar-se perigosa, no sentido em que leva a presumir – porém, sem evidências – que os alunos se encontram integrados, quando ela pode apenas resultar de uma adaptação superficial que permita aos alunos lidar com a escola minimamente. Mas não será nosso objectivo, como pedagogos e pais, que os alunos lidem com a escola na plenitude das suas capacidades?

A situação da presença de alunos com origens diferentes ou pertencendo a famílias com diferentes culturas é, por outro lado, uma riqueza para a escola, uma vez que é uma oportunidade favorável para aumentar o conhecimento dos alunos (e dos professores) sobre outras culturas do mundo e, através dele, contribuir para assegurar a presença dos valores solidários. Porque é também esta a função da escola: propiciar a aquisição de valores civilizacionais que permitam um contacto válido com o resto do mundo e a sua enorme diversidade cultural, contacto este hoje incontornável.

Este questionamento levou à realização de um estudo, cujo foco foi, precisamente, a presença da multiculturalidade no corpo discente, ou seja, o peso das culturas que, para além da portuguesa, estão presentes nos alunos de uma escola do Estoril, arredores de Lisboa, em Portugal. Deste estudo se dará conta proximamente.


1 Para efeitos deste estudo, considera-se existir uma “cultura portuguesa”-tipo, que enforma a escola, em relação à qual se contrapõem outras culturas relacionadas com as regiões geo-políticas do globo (ver adiante). Não se aborda aqui outro tipo de cultura, como seja a relacionada com etnias, classes sociais ou outras.

A multiculturalidade é um fenómeno actual nas escolas europeias, dada a grande movimentação de migrantes de todas as origens, em todas as direcções: quer entre países do espaço europeu, agora alargado aos países de leste, quer de países de outros continentes. A comunidade africana, isto é, o conjunto de emigrantes provenientes deste grande continente que é a África, é uma das mais marcantes, dado o seu elevado número. Ela está presente em praticamente todos os países europeus. É também significativa, nuns países mais que noutros, a presença de emigrantes da América Latina – em Portugal, brasileiros, em Espanha, naturais dos países de língua castelhana.

Num estudo que fiz na Escola Secundária de São João do Estoril, em Portugal, numa localidade perto de Lisboa com uma alta taxa de estrangeiros – residentes e turistas – em que uma boa fatia dos residentes pertence à classe média alta, encontrei, mesmo assim, uma notável diversidade quanto à origem dos seus alunos. Disto vos darei notícia num próximo artigo.

Em Cabo Verde, não se fala ainda de multiculturalidade. Isto porque não são identificados nas escolas, de uma maneira consciente, quaisquer alunos de origem não-caboverdeana. Não porque não existam, mas porque não é ainda uma questão pedagógica a sua inclusão. Está-se ainda na fase, que a Europa já viveu, em que se espera que qualquer estrangeiro se integre por si na cultura dominante. Não quer isto dizer que a sociedade em geral não esteja consciente de que existem estrangeiros no seu seio, mas não é sua preocupação, por um lado, que eles não se consigam integrar sem ajuda e, por outro, que eles possam interferir – ou intervir – na evolução natural dessa sociedade, sempre dentro dos parâmetros culturais conhecidos e tidos como caboverdeanos. A verdade é que, para além de um proporcionalmente pequeno grupo de portugueses, mais ou menos diluídos no tecido social local, e do grupo ainda menor dos estrangeiros abrangidos pelas designações genéricas ocidentais e orientais, existe um número crescente de imigrantes do continente (africano), que a sociedade, a espaços, já vai determinando como alarmante. O fenómeno do alarme surge, normalmente, quando se receiam interferências na cultural ou na economia local e estas se vêem como ameaças.

Tenho procurado estudos sobre o assunto (imigração em Cabo Verde) e, até agora, não encontrei. Tive apenas conhecimento de uma tese em curso que aborda uma parte do problema. Em contrapartida, existem muitos estudos em Portugal sobre os imigrantes caboverdeanos, entre outros. Vejam, por exemplo, a página Imigrantes, que dá uma boa ideia do fenómeno no país. O facto de não haver dados sobre os imigrantes em Cabo Verde é sintomático de que o fenómeno ainda não se tornou numa preocupação que mereça ser registada, analisada, enfim, estudada. As estatísticas do Instituto Nacional de Estatísticas de Cabo Verde sobre Migração não o refere, as estatísticas da Educação não o contemplam. Estou curiosa e ansiosamente a aguardar o próximo Censo de 2010 para, espero, poder recolher esses dados.

Maria Catela

foto do autor

"A memória é a consciência inserida no tempo." Fernando Pessoa

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  • Claudemir

    Olá ProfessoraGostaria de enviar-te um e-mail com ...

  • João Sá

    Bom dia :)O blog está em destaque na homepage dos ...

  • M.E.C.

    Olá! Que bom - toda a divulgação é uma ajudinha......