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Reflexos

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Na altura, residia eu em Lusaka, capital da Zâmbia. Iniciei a viagem de avião para Dakar, Senegal, o que implicou duas escalas: uma em Nairobi, Quénia, e outra em Adis Abeba, Etiópia. Em Nairobi, fiquei dois dias, à espera de avião, que não era diário. Por isso, resolvi tirar partido dessa estadia e visitar o parque natural mais próximo da cidade – o Parque Nacional de Nairobi.

Era Maio e tinha chovido bastante, mas a agência que se propunha organizar o safari não viu nesse facto qualquer constrangimento. Não era uma altura – nem uma época – de afluxo turístico, não na dimensão que hoje existe, depois do Quénia ter investido em propaganda e ter ficado na moda. Nesta agência em particular, havia apenas mais um outro interessado no safari, um homem jovem holandês que viajava sozinho. Na hora aprazada, apresentou-se um condutor com uma carrinha “station”, banal, cujo banco traseiro ocupámos. Surpreendi-me por não ser um jeep, dada a minha anterior experiência destas andanças. Mas confiei. E lá seguimos pela estrada principal por uns 15 km, até chegar ao portão de grades que nos facultou o acesso ao parque. O porteiro avisou que, devido às chuvas, alguns caminhos tinham bastante lama. Mas seguimos, mesmo assim. Perguntei se era seguro, mas balbuciou que o guia era experiente e era uma questão de escolher os caminhos mais transitáveis, pois havia zonas alagadas.

Os caminhos eram de terra batida, mas rapidamente se transformaram em picadas, com as ervas calcadas nos trilhos que os automóveis foram sulcando ao longo do tempo. No início, claro, não nos cruzámos com animais de grande porte, que preferem viver tranquilos embrenhados na floresta. Mas o guia lá ia explicando e apontando um ou outro animal menor que se ia avistando. Lembro-me, em particular, de nos ter indicado uma pequena tartaruga que cruzava a estrada, porque me interroguei se uma banal tartaruga valia a pena ser mencionada. Mas à falta de outro… ou ele pensaria que, para nós, seria um animal exótico?

Nairobi National Park.jpg

À medida que nos íamos embrenhando no parque, as picadas apresentavam-se cada vez com mais lama e comecei a ficar inquieta. Até que numa bifurcação, havia que escolher a que mais segura parecia, ainda que ambos os caminhos mostrassem bastante lama mole. O perigo era que a carrinha pudesse ficar atolada e nós ali presos, já que não tinha tracção às quatro rodas para poder libertar-se. O condutor parou por um momento, avaliou as alternativas e optou pela da direita. E arrancou. Não foram precisos muitos metros para ver que o perigo era eminente e, logo adiante, o inevitável aconteceu: as rodas ficaram presas na lama e o carro deixou de avançar. O condutor fez as tentativas usuais de acelerar para libertar o rodado, mas isso só contribuiu para o veículo se ir enterrando mais e mais, até que começou a ser sorvido pelo solo. Alarme! Um dos lados, o direito, aparentemente, estava sobre lama mais profunda e o carro foi mergulhando desse lado, que era o meu, inclinando-se cada vez mais e de tal maneira, que o meu companheiro de safari começou a deslizar pelo assento na minha direcção e teve que se segurar às pegas do tecto e da porta do seu lado para não me abalroar. Tudo isto acontecendo em poucos minutos e cada vez mais depressa à medida que progredia, sem que pudéssemos fazer nada para contrariar esta inclinação progressiva. Era um filme dramático em câmara lenta. A sensação era a de que estávamos a ser sorvidos por areias movediças. E o carro, ao inclinar-se sobre o lado direito, elevou-se do lado esquerdo e as rodas deixaram o chão! 

 

Maria Catela

foto do autor

"A memória é a consciência inserida no tempo." Fernando Pessoa

Feedback

  • Claudemir

    Olá ProfessoraGostaria de enviar-te um e-mail com ...

  • João Sá

    Bom dia :)O blog está em destaque na homepage dos ...

  • M.E.C.

    Olá! Que bom - toda a divulgação é uma ajudinha......