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Reflexos

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Kriolu ka ta prijudica aprendizagi di purtuguês

A propósito da comemoração, no dia 21 do corrente, do Dia Internacional da Língua Materna, a Radiotelevisão de Cabo Verde apresentou o programa Entrevista, que se debruçou sobre o Crioulo caboverdiano e a sua convivência com o Português, língua oficial. A convidada foi a Professora Doutora Amália Lopes, docente na Universidade de Cabo Verde (UniCV). A esse propósito, foi emitida a seguinte notícia, em crioulo no original (ver versão em crioulo):

A Universidade de Cabo Verde vai realizar um conjunto de actividades para não deixar passar em branco o Dia Internacional dedicado a todas as Línguas Maternas.
Assim, a UniCV, dentro das actividades dos cursos de estudos caboverdianos e portugueses, vai promover actividades tal como palestras, conferências, divulgação de trabalhos feitos em crioulo, actividades culturais com o uso da língua, para além de momentos de formação sobre o uso da nossa língua nacional que estão em curso.

Hoje, para além da apresentação do programa, é feita uma comunicação pelo Presidente do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Gilvan Muller, que, de uma forma livre, vai falar sobre “Línguas Maternas num Mundo Multilingue”.

Em relação aos problemas que se enfrentam e que têm impedido o uso oficial da nossa língua materna no ensino, perguntámos à professora Amália Lopes, Doutora em Sociolinguística e Coordenadora da comissão da UniCV que preparou a semana da língua materna, qual é a resposta, mas ela disse que não é fácil responder a essa pergunta.

A Professora Amália Lopes disse que o estudo que fez para o seu doutoramento mostrou que os caboverdianos têm um sentimento confuso sobre o crioulo.

Depois, perguntámos à Professora Amália Lopes se ensinar os meninos na escola em crioulo prejudica a aprendizagem das outras línguas e se causa confusão na aprendizagem da língua portuguesa. Ela disse que isso é uma ideia que se criou, um mito que foi criado, mas que não prejudica o conhecimento de outra língua. A Professora Amália Lopes disse ainda que, se prejudicasse, então ninguém aprenderia uma segunda língua

Ela apontou que tudo depende da forma e da metodologia que forem usadas. A Professora Amália Lopes disse ainda que não devemos nunca pensar que se na escola se ensinar em crioulo, os meninos ficam prejudicados na aprendizagem do português.

A apresentação do programa sobre a semana da língua materna e a palestra sobre “As Línguas Maternas num Mundo Multilingue” acontecem hoje no Campus da UniCV, no Palmarejo.

Fonte: Redacção RTC, com RCV (Anatólio Lima)

Tradução do Crioulo: Maria E. Catela

 

M. C.

 

O Crioulo não prejudica a aprendizagem do Português

A propósito da comemoração, no dia 21 do corrente, do Dia Internacional da Língua Materna, a Radiotelevisão de Cabo Verde apresentou o programa Entrevista, que se debruçou sobre o Crioulo caboverdiano e a sua convivência com o Português, língua oficial. A convidada foi a Professora Doutora Amália Lopes, docente na Universidade de Cabo Verde (UniCV). A esse propósito, foi emitida a seguinte notícia, em crioulo no original (ver versão em português) que aqui se transcreve:

Universidadi di Cabo Verde sta bem realisá un conjuntu di atividadis pa ka dixá pâsá en branku Dia Internasiunal dedikadu a tudu Língua Maternu.
Asin, UNI-CV dentu di atividadis di kursus di studu kabuverdianu i português, ta bem prumuvê atividadis moda palestras, conferênsias, divulgasón di trabadjus fetu na kriolu, atividadis kultural ku usu di língua, para além di momentus di treinamentu na usu di nós língua nasional ta ser fetu.
Oji, para além di aprisentasan di programa ta ser fetu un comunicasan pa Presidenti di Institutu Internasional de Língua Purtuguesa, Gilvan Muller, ki di forma à vontadi ta ba papiá sobri “Línguas maternu num mundo Multilingue”.
En relasan a prublemas ki ta infrentadu i ki ten impedidu usu ofisial di nós língua maternu na ensinu nu praguntâ profisora Amália Lopes, Dotora en Socio-linguística i Cordinadora di kel komisan di UNICV ki sta preparâ simana di língua maternu kal ke resposta i el fra ma ê ka fásil raspondê es prugunta.
Profisora Amália Lopes ta fra ma studu kê fazi, pa sê doctoramentu, ta mostrâ ma kabuverdianus ten un sentimentu confusu sobri kriolu.
Du praguntá profisora Amália Lopes si xinâ minis na scola na kriolu ta prejudiká aprendisagen di otus língua i kausa konfusan na aprendisagen di língua português, el ta fla ma keli ê stória ki kriadu, un mitu ki foi kriadu i el fla ma ê ka ta prijudika conhesimentu dotu língua. Profisora Amália Lopes fla ma sel ta prejudikaba, nton ninguén ka ta prendeba un sigundu língua.
El fla ma tudu ta dipendê di forma i metudologia ki for usadu. Profisora Amália Lopes fla inda ma nu ka debi nunka pensâ ma si na skola for enxinadu na kriolu ma minis ta fikâ prejudikadu na aprendisagen di língua português.
Aprisentasan di programa sobri simana di língua maternu i palestra sobri “As Línguas Maternas num Mundo Multilingue” ta konticê oji na Kampus di UNICV na Palmareju.

Fonte:  Redacção RTC, com RCV (Anatólio Lima)

 

M. C.

 

Tive já a oportunidade de expressar a minha preocupação sobre o pobre domínio da Língua Portuguesa pelos estudantes universitários em Cabo Verde (veja-se o artigo A Língua Portuguesa no Ensino Superior, de 18 de Abril de 2010). Esta situação existe porque os alunos que terminam o ensino secundário não adquiriram as competências necessárias para poder trabalhar intelectualmente em Português. E sublinho intelectualmente, pois aqui é que se situa, como se costuma dizer, o busílis da questão.

Porque se Usa o Português na Escola?

Como se explicou no artigo O Português e o Crioulo Caboverdiano, de 28 de Novembro de 2010, o crioulo nasceu como uma língua de comunicação oral para o quotidiano e só muito recentemente na história da sua existência surgiu a preocupação de o passar à escrita, para o que, só em 2009, foi aprovado um alfabeto.

A evolução do crioulo foi, portanto, até muito recentemente contida pelo seu uso exclusivamente oral e quotidiano. Por isso, esta língua não contém, em si, a elaboração e os instrumentos necessários a uma utilização ao nível das operações mentais mais abstractas e complexas, próprias do processo de ensino-aprendizagem, que o Português está em condições de fornecer devido à sua antiguidade e consequente grau de elaboração como língua.

 O suporte desse processo, como sabemos, é a palavra escrita, sobre a qual toda a cultura dita ocidental, que enforma as nossas escolas, está baseada. Significa isto que o ensino e a aprendizagem se fazem sobre manuais científicos e técnicos, bem como outro material escrito, que ainda não existem em crioulo caboverdiano, dado o apenas recente nascimento da sua escrita sistemática. Acresce que a publicação de livros especializados na língua materna nacional não será muito viável, ao nível económico, devido à pequena dimensão da procura. O mesmo fenómeno existe noutras línguas – não é por acaso que os estudantes do ensino superior português se vêem sempre a braços com a necessidade de desbravar o espanhol, o inglês e o francês de livros técnicos que não existem na sua língua.

 Concluímos, pois, que os estudantes caboverdianos terão sempre que aprender outra(s) língua(s) a um nível de domínio que lhes permita ter acesso às obras científicas da sua especialidade e serem capazes de interpretar – na escrita e na oralidade – os conceitos próprios do ensino universitário.  

E o Caboverdiano?

Como foi dito no artigo anterior já referido, o Português é a língua de ensino no sistema educativo caboverdiano. O crioulo nacional não é ensinado na escola como disciplina curricular. Sendo esta a língua materna, as crianças chegam à escola a falá-lo fluentemente, uma vez que é, numa grande maioria dos casos, a sua única língua.

Chega-me a informação de que os professores caboverdianos usam, geralmente, a sua língua materna na sala de aula como veículo de comunicação permanente com os alunos, sendo que estes, como é natural, o usam também entre si. Isto ocorre em toda a extensão do sistema educativo sub-universitário, portanto desde a pré-escolar até ao 12º ano.

Tem-me frequentemente sido referido, sobretudo por mães que se deslocam à escola para falar com os professores ou participar em reuniões de pais, que o domínio do português por estes professores é bastante hesitante. Significa isto que os professores não funcionam como modelo no uso da língua portuguesa, quer como motivação quer como didáctica, e os alunos, que apenas lidam com esta língua na respectiva disciplina, não praticam a sua oralidade com constância de forma a interiorizar o português de uma maneira mais profunda. Quando chegam aos trabalhos escritos, que são invariavelmente em português, os alunos não estão à vontade na sua execução. Os trabalhos que tenho visto de alunos do ensino básico evidenciam esta situação: se, por um lado, são muitas vezes fichas de preenchimento (em que os alunos devem apenas completar frases nos espaços em branco ou fazer frases curtas) de cariz pouco desafiador em termos de aprendizagem, em geral, e na língua portuguesa, em particular, por outro, a execução por parte das crianças é de frases incompletas ou mal estruturadas. Face a tais dificuldades, podemos inferir que a compreensão dos manuais, que são em língua portuguesa, lhes seja também particularmente difícil.

Creio que a sociedade caboverdiana está consciente deste estado de coisas e deveras preocupada com a extensão do problema, bem como da urgente intervenção que ele requer. Porém, não são conhecidos estudos sistemáticos sobre a realidade da escola caboverdiana nesta matéria. Numa próxima oportunidade, poderemos explorar os cenários possíveis para opções de futuro.

Na sequência do artigo Desculpem lá, o meu Português não é grande coisa!, de 15/11/10, recebi várias reacções de caboverdianos que estão genuinamente preocupados com a situação da Língua Portuguesa em Cabo Verde e de portugueses, que gostariam de a compreender. Abordando a questão de ângulos diversos, todos os comentaristas caboverdianos estão cientes da leveza com que esta língua é tratada na escola. As perguntas e observações foram muitas e pertinentes. Tentarei, neste e em próximos artigos, dissecar os aspectos mais relevantes e, sobretudo, dar-lhes alguma ordem, para que a reflexão produtiva seja possível. Tenham em conta que a minha posição face ao assunto é meramente académica, impregnada da objectividade científica que pauta, por princípio e ética, tal posição. E ainda que a minha abordagem é do âmbito da Política Educativa, não me debruçando eu sobre quaisquer aspectos linguísticos subjacentes. Considerando que muitos dos meus leitores não são caboverdianos, começarei por dar explicações que, para os nacionais, seriam dispensáveis.

***

 Um Pouco de História

A decisão de ter o Português como língua oficial foi tomada na decorrência da Independência de Cabo Verde, há 35 anos tão somente. Apesar de não ter ido levantar documentos que eventualmente a justifiquem, é fácil entender que duas razões estão na génese de tal opção.

A primeira tem a ver com o facto de o território ter sido antes gerido por um país que falava português, sendo que as elites intelectuais e políticas, nessa data, o dominavam perfeitamente. Aliás, isso é patente nas figuras mais antigas do meio caboverdiano de hoje, que tenho o privilégio de conhecer. Essas elites representam aqueles que atravessaram o sistema educativo em Cabo Verde e eventualmente obtiveram graus académicos, em grande parte em instituições em Portugal, nessa altura ainda metrópole. Tinha-se, pois, há poucos anos, uma sociedade cuja parte letrada falava e dominava o Português. Isto significa que toda a sociedade, tanto aqueles membros com mais escolaridade como aqueles com menos, estavam expostos à língua portuguesa e não lhe eram totalmente alheios. O Português era, então, falado em Cabo Verde.

A segunda razão liga-se com a inserção do novel país numa rede de países mais alargada que, como todos sabemos, forma uma ampla comunidade – que acabou por ser formalizada e oficializada como Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A importância política, económica e cultural, cada vez maior, de os países pertencerem a grupos internacionais com os quais têm afinidades, não só os torna mais fortes como lhes proporciona um suporte valioso para o seu desenvolvimento. Os países do planeta que possuem uma língua que mais ninguém fala têm-se preocupado em tornar os seus cidadãos bilingues, seja com o inglês seja com o Francês, por serem estas as línguas mais faladas nos fóruns internacionais. Veja-se, por exemplo, os Países Nórdicos, tal como a Suécia. Residi seis anos ali e nunca precisei de falar sueco.

A escolha de Cabo Verde pelo Português como língua oficial foi, pois, natural e esta só não foi tida como língua materna devido à existência do crioulo, que ao longo dos séculos, se foi unificando entre as nove ilhas habitadas até se tornar numa unidade linguística. É claro que aqui entram as variantes, que não são de todo desprezáveis, pois não se trata somente de sotaques diferentes, aliás como é referido pelo Governo na notícia de que falo a seguir.

O crioulo caboverdiano – hoje chamado língua caboverdiana pelos linguistas – é uma língua que se construiu a partir do Português, isto é, tendo esta língua como base, razão porque reteve o seu vocabulário, tendo-lhe aplicado uma construção diversa. É, pois, uma língua “derivada”, se quisermos, do Português, com o qual tem grandes afinidades e parecenças. Não temos, portanto, aqui, distinções profundas como, por exemplo, entre o Inglês e o Português, que têm muito pouco a ver uma com a outra.

O caboverdiano nasceu como uma língua de comunicação oral para o quotidiano e assim tem permanecido. Para além de alguns registos ocasionais na poesia, só muito recentemente na história da sua existência surgiu a preocupação de o passar à escrita e de, para isso, encontrar um alfabeto e uma grafia unificada. Assim, o alfabeto caboverdiano só foi oficialmente aprovado, pelo Conselho de Ministros, em Janeiro de 2009.

No Presente 

Por esta razão, e apesar de esta língua ser aquela que a maioria dos caboverdianos fala entre si no dia-a-dia, a sua forma escrita não foi ainda absorvida, de uma maneira uniforme, formal e sistemática, para que seja possível a sua escrita generalizada. Porém, assiste-se, no momento, a uma movimentação nesse sentido. Por exemplo, nota-se a preocupação de instituições que oferecem cursos de línguas de possibilitar pequenos cursos de Crioulo Caboverdiano, onde este é já tratado nas duas formas – oral e escrita. É também já habitual ver pequenos recados e notas trocadas em crioulo, artigos de jornal e até debates televisivos nessa língua. Existe, como é legítimo, um desejo dos caboverdianos de verem a sua língua materna elevada ao estatuto de língua escrita e, consequentemente, ensinada de uma maneira formal. Vários linguistas e estudiosos têm-se debruçado sobre esta questão, contribuindo com obras que vêm vindo paulatinamente reflectindo e enriquecendo o espólio da língua, não só sobre a língua em si (como Manuel Veiga), mas também usando-a nas suas produções, sobretudo culturais (como Tomé Varela).  

Com estes dados como ponto de partida, estamos agora em situação de abordar a questão da utilização do crioulo como língua de ensino, o que será tratado numa próxima vez.

 

 

 

 

 

 

Maria Catela

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"A memória é a consciência inserida no tempo." Fernando Pessoa

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  • Claudemir

    Olá ProfessoraGostaria de enviar-te um e-mail com ...

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  • M.E.C.

    Olá! Que bom - toda a divulgação é uma ajudinha......