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Reflexos

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Tive já a oportunidade de expressar a minha preocupação sobre o pobre domínio da Língua Portuguesa pelos estudantes universitários em Cabo Verde (veja-se o artigo A Língua Portuguesa no Ensino Superior, de 18 de Abril de 2010). Esta situação existe porque os alunos que terminam o ensino secundário não adquiriram as competências necessárias para poder trabalhar intelectualmente em Português. E sublinho intelectualmente, pois aqui é que se situa, como se costuma dizer, o busílis da questão.

Porque se Usa o Português na Escola?

Como se explicou no artigo O Português e o Crioulo Caboverdiano, de 28 de Novembro de 2010, o crioulo nasceu como uma língua de comunicação oral para o quotidiano e só muito recentemente na história da sua existência surgiu a preocupação de o passar à escrita, para o que, só em 2009, foi aprovado um alfabeto.

A evolução do crioulo foi, portanto, até muito recentemente contida pelo seu uso exclusivamente oral e quotidiano. Por isso, esta língua não contém, em si, a elaboração e os instrumentos necessários a uma utilização ao nível das operações mentais mais abstractas e complexas, próprias do processo de ensino-aprendizagem, que o Português está em condições de fornecer devido à sua antiguidade e consequente grau de elaboração como língua.

 O suporte desse processo, como sabemos, é a palavra escrita, sobre a qual toda a cultura dita ocidental, que enforma as nossas escolas, está baseada. Significa isto que o ensino e a aprendizagem se fazem sobre manuais científicos e técnicos, bem como outro material escrito, que ainda não existem em crioulo caboverdiano, dado o apenas recente nascimento da sua escrita sistemática. Acresce que a publicação de livros especializados na língua materna nacional não será muito viável, ao nível económico, devido à pequena dimensão da procura. O mesmo fenómeno existe noutras línguas – não é por acaso que os estudantes do ensino superior português se vêem sempre a braços com a necessidade de desbravar o espanhol, o inglês e o francês de livros técnicos que não existem na sua língua.

 Concluímos, pois, que os estudantes caboverdianos terão sempre que aprender outra(s) língua(s) a um nível de domínio que lhes permita ter acesso às obras científicas da sua especialidade e serem capazes de interpretar – na escrita e na oralidade – os conceitos próprios do ensino universitário.  

E o Caboverdiano?

Como foi dito no artigo anterior já referido, o Português é a língua de ensino no sistema educativo caboverdiano. O crioulo nacional não é ensinado na escola como disciplina curricular. Sendo esta a língua materna, as crianças chegam à escola a falá-lo fluentemente, uma vez que é, numa grande maioria dos casos, a sua única língua.

Chega-me a informação de que os professores caboverdianos usam, geralmente, a sua língua materna na sala de aula como veículo de comunicação permanente com os alunos, sendo que estes, como é natural, o usam também entre si. Isto ocorre em toda a extensão do sistema educativo sub-universitário, portanto desde a pré-escolar até ao 12º ano.

Tem-me frequentemente sido referido, sobretudo por mães que se deslocam à escola para falar com os professores ou participar em reuniões de pais, que o domínio do português por estes professores é bastante hesitante. Significa isto que os professores não funcionam como modelo no uso da língua portuguesa, quer como motivação quer como didáctica, e os alunos, que apenas lidam com esta língua na respectiva disciplina, não praticam a sua oralidade com constância de forma a interiorizar o português de uma maneira mais profunda. Quando chegam aos trabalhos escritos, que são invariavelmente em português, os alunos não estão à vontade na sua execução. Os trabalhos que tenho visto de alunos do ensino básico evidenciam esta situação: se, por um lado, são muitas vezes fichas de preenchimento (em que os alunos devem apenas completar frases nos espaços em branco ou fazer frases curtas) de cariz pouco desafiador em termos de aprendizagem, em geral, e na língua portuguesa, em particular, por outro, a execução por parte das crianças é de frases incompletas ou mal estruturadas. Face a tais dificuldades, podemos inferir que a compreensão dos manuais, que são em língua portuguesa, lhes seja também particularmente difícil.

Creio que a sociedade caboverdiana está consciente deste estado de coisas e deveras preocupada com a extensão do problema, bem como da urgente intervenção que ele requer. Porém, não são conhecidos estudos sistemáticos sobre a realidade da escola caboverdiana nesta matéria. Numa próxima oportunidade, poderemos explorar os cenários possíveis para opções de futuro.

26 comentários

De luis abreu a 16.03.2011 às 12:43 pm

"a nossa língua será sempre nossa jamais deixará de ser falada por nós" concordo mas também concordo que o desenvolvimento normal da nossa lingua à pala do aconteceu v.g. com o mirandês necessitará de ser escrita começamos por falar chegará a hora de escrevermos conquanto que seja cabo-verdiana e que seja língua com o intuito de sairmos todos a ganhar urge-nos encontrar um meio termo para que não haja tenções sociais essa questão apela à uma cabo-verdiana e não a um canibalesco bairrismo acabando por ser resolvido com a solução de que não há condições para exprimirmos por o nosso pensamento na nossa primeira língua

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Maria Catela

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"A memória é a consciência inserida no tempo." Fernando Pessoa

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  • Claudemir

    Olá ProfessoraGostaria de enviar-te um e-mail com ...

  • João Sá

    Bom dia :)O blog está em destaque na homepage dos ...

  • M.E.C.

    Olá! Que bom - toda a divulgação é uma ajudinha......