Reflexos de Maria Catela © 2010 - 2016 | Powered by SAPO Blogs | Design by Teresa Alves
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
MC 18 Apr 10
Contribuição para a Conferência sobre o Ensino Superior, Praia, Maio 2010
Como docente do ensino superior num país de expressão portuguesa, preocupa-me profundamente a generalizada dificuldade dos alunos no domínio da língua de ensino - o Português. Neste contexto, compreende-se que os alunos tenham dificuldade em aprender os diversos conteúdos específicos numa língua que, ainda que língua oficial, não seja a sua língua materna. Trata-se, pois, da sua segunda língua.
Não compete fazer aqui uma avaliação de como o sistema educativo está a tratar o assunto, o que competirá às instâncias estatais. O que é facto é que os alunos que ingressam no ensino superior apresentam, ainda que dentro de uma grande variação de grau, uma deficiente capacidade de se expressar, por escrito e oralmente. Esta limitação tem como consequência a enorme dificuldade de compreensão dos conteúdos e a impossibilidade de os trabalhar a níveis intelectuais superiores, com o subsequente insucesso académico.
Mas porque chegam os alunos ao ensino superior com uma limitação tão séria na língua de ensino? Há certamente um conjunto de motivos para tal, mas, atendendo a que o ensino da Língua Portuguesa não pertence, neste caso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), à família mas sim à escola, alguma coisa está a falhar nos ensinos básico e secundário, de onde os alunos deveriam sair com o domínio da língua, a um nível que lhes permitisse funcionar academicamente. Mas será que o nível da proficiência em Português no final do 12º ano foi pré-determinado?
No ensino superior, constata-se três situações:
Curiosamente, veio ao meu encontro um artigo que analisa precisamente o problema, mas – pasme-se – em Portugal. Nesse artigo, são invocados vários motivos possíveis para explicar o fenómeno, que parece reunir algum consenso quanto, entre outros, à ingerência da tecnologia electrónica no dia-a-dia do estudante e na realização de trabalhos a partir da técnica de copiar/colar, que afinal, alguns de nós, professores, vão aceitando...
Enfim, é altura de uma reflexão séria, quer pelas instâncias estatais responsáveis quer pelas escolas e pelas universidades quer, ainda, pelos próprios docentes, já que a abrangência do problema requer uma solução concertada de todos os parceiros.
Apesar do artigo se referir a Portugal, leiam-no a pensar na realidade que conhecem e vejam se não se lhe aplica!
Aqui vai:
Erros de palmatória cada vez mais frequentes entre universitários
por Kátia Catulo, iOnline, em 15 de Abril de 2010
Das ciências exactas às sociais e humanas, as dificuldades na escrita e na oralidade são comuns aos alunos da maioria dos cursos e universidades
Boa parte dos estudantes universitários é incapaz de escrever sem erros ortográficos, encadear um raciocínio com princípio, meio e fim, interpretar um texto ou perceber o que é dito na aula. São os próprios professores a reconhecer que o domínio da língua portuguesa é uma aprendizagem que a maioria dos seus alunos não fez no ensino secundário e ainda não consegue fazer no ensino superior. As dificuldades atravessam os cursos que vão das ciências sociais e humanas às ciências exactas e estendem-se a disciplinas como História, Matemática, Física, Gestão, Jornalismo ou Ciência Política.
Escrita
A incapacidade de usar a língua portuguesa de forma correcta é um "mal generalizado" entre os alunos de todos os anos, avisa Manuel Henrique Santana Castilho, docente da Escola Superior de Educação de Santarém. "São raros os que conseguem organizar um pensamento e escrevê-lo sem incorrecções", diz o professor que ensina Gestão Educacional aos futuros candidatos a professores do 3º ano. Os erros vão muito além da ortografia e da gramática, conta Isabel Ferreira, que dá aulas de Física aos caloiros do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa: "Na generalidade, escreve-se como se fala. Os alunos distorcem as palavras para permitir uma colagem entre a grafia e a fonética."
Oralidade
Pior do que a escrita é a oralidade, esclarece Miguel Morgado do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Quando o desafio passa por verbalizar uma ideia ou expor um raciocínio, as fragilidades triplicam: "Há uma enorme dificuldade de os alunos conseguirem responder a uma pergunta com princípio, meio e fim." Ou uma incapacidade de começar e terminar uma frase, mantendo uma "lógica coerente", desabafa Santana Castilho. O discurso é com frequência atropelado por "frases incompletas sem um fio condutor", explica Isabel Ferreira. Nuno Crato, professor de Matemática do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), acrescenta que, regra geral, o vocabulário dos seus alunos "é pobre" e o raciocínio "vago e disperso".
Se o discurso é incoerente é porque não há um esforço de reflexão: "Logo, as intervenções orais são baseadas no improviso", defende João Cantiga Esteves, professor de Finanças no ISEG, em Lisboa. Expressar uma ideia simples é um desafio que poucos conseguem ultrapassar. "Até nos casos em que peço aos alunos para lerem textos em voz alta, a leitura é apressada sem pausas e com total desrespeito pelas vírgulas e parágrafos", diz João Gouveia Monteiro, professor de História da Idade Média e de História Militar da Universidade de Coimbra.
Interpretar
Ler um texto e saber transmitir o que se retirou dessa leitura é uma habilidade de uma minoria, conta Joaquim Fidalgo, que dá aulas de Jornalismo na Universidade do Minho: "Em regra, o discurso é confuso e há uma tendência para complicar conceitos simples." Prestar atenção ao que o professor diz durante a aula e tomar notas em simultâneo é outra tarefa que poucos conseguem desempenhar, alerta a professora de Física do Instituto Superior de Agronomia. Combater essa limitação passa muitas vezes por interromper a aula e pedir à professora para repetir a frase que acabou de dizer: "Um desafio constante tem sido fazê-los primeiro ouvir, para depois escreverem pelas suas palavras, evitando que se caia num regime de ditado."
Dez minutos é, por outro lado, o tempo máximo que dura a concentração de uma turma, conta João Gouveia Monteiro: "Mais do que isso, os alunos começam a dispersar-se e não tenho outra alternativa senão fazer uma pausa." A estratégia do professor passa por contar uma piada ou pedir a um aluno para fazer um comentário sobre a matéria. Após o intervalo, a aula prossegue sem interrupções durante os próximos 10 minutos. A velocidade com que o programa é cumprido é portanto mais lento, explica o director da Imprensa da Universidade de Coimbra: "Há 15 anos demorava duas aulas para ensinar um módulo, hoje levo o dobro do tempo."
Aprendizagem
As deficiências na escrita e na oralidade têm consequências na aprendizagem e na avaliação dos estudantes. "Os alunos perdem a capacidade para compreender conceitos complexos", diz Isabel Ferreira, esclarecendo que os que têm mais dificuldades na expressão escrita e oral são "tendencialmente" os que também têm maiores resistências em dominar os conceitos científicos da disciplina. E, ao não conseguirem expressar o raciocínio, correm o risco de serem penalizados na avaliação: "A partir do momento em que não percebo o que querem transmitir, não posso avaliar os seus conhecimentos", diz Miguel Morgado.
Quanto maiores são as deficiências dos estudantes, menor é o grau de exigência dos professores. Miguel Morgado reconhece que se foi tornando mais tolerante com as falhas dos alunos e hoje há erros que já não considera "assim tão graves". João Gouveia Monteiro admite que entre a classe docente há uma tendência para nivelar por baixo: "Eu, por exemplo, no primeiro semestre do ano passado, chumbei 75% dos meus alunos e, mesmo assim, considero que não fui rigoroso." Isabel Ferreira confessa que teve necessidade de tornar a sua linguagem mais básica para poder ser entendida pelos alunos. O nível de exigência foi descendo sobretudo porque os alunos têm deficiências de base não só a português como a matemática e a física: "Seria impensável fazer testes com enunciados de há 15 anos. Os resultados seriam desanimadores." João Gouveia Monteiro usa outro exemplo para defender a mesma ideia. "A classificação de 18 valores numa prova de hoje equivale aos 12 valores de há 15 anos", conclui.
Fiquei muito contente com a tua iniciativa de criares um blog! Parabéns! Vou passar a segui-lo com interesse e simpatia. Concordo plenamente com os factos relatados no excelente texto que inseriste. Preocupante é, também, verificar que a grande maioria dos professores do 1º ciclo do Ensino Básico não sabe sequer colocar vírgulas: muitas vezes são usadas entre o sujeito e o predicado! A partir deste exemplo adivinha-se, lamentavelmente, o resto...
Um beijinho!
Teresa Henrique